Thelema: Um Aspecto Social

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Certo. O que a maior parte da turma pensa quando se fala em Thelema? Magia, claro. Misticismo. Ocultismo. E, por certo, há todo um aspecto de religiosidade que se pode trabalhar dentro do pensamento Thelêmico. Mas uma das coisas mais interessantes a respeito de Thelema é sua incrível capacidade de não se limitar a apenas alguns aspectos.

Pode–se utilizar o modo de ser Thelêmico em muitas, muitas coisas.

E uma dessas coisas é o aspecto social. Aplicar a Lei do “Faze o que tu queres” no dia a dia, como uma proposta de vida em sociedade também pode ser uma excelente idéia, mesmo que você não se sinta atraído pelos aspectos religiosos ou ocultistas de Thelema. Ter essas idéias em mente durante o dia a dia é também uma forma de se relacionar com o Novo Æon.


Se você acha que isso é apenas uma viagem, podemos começar do melhor lugar possível: do início. Isso, comecemos com o que disse um certo senhor conhecido como Aleister Crowley. Ele deixou alguns textos que lidavam com esses aspectos sociais de Thelema.


O mais conhecido deles é, sem dúvida o Liber Oz, Liber LXXVII, publicado pela primeira vez em 1941 e dito ser a primeira declaração de direitos do ser humano. Neste rápido texto de cinco parágrafos declara–se que todos temos uma série de direitos fundamentais que podemos resumir como o direito de viver exercendo sua liberdade de ser quem é, de viver como desejar, de se expressar e de exercer sua sexualidade. Claro que, interpretadas de forma errada, essas regras de liberdade podem resultar em uma grande confusão. Mas uma certa aplicação de bom senso (sim, isso existe) costuma mostrar que essas ideias só funcionam se aplicadas a todos — não apenas a você mesmo. Isso já traz à tona uma outra ideia fundamental na sociedade Thelêmica: a própria Lei de Thelema.

Quando eu dito “Faze o que tu queres será o todo da Lei” não estou dizendo que eu tenho o direito de fazer qualquer coisa que eu queira e dane–se você. O que estou dizendo é que você tem o direito de fazer o que quiser e “dane–se” eu. Fundamentalmente, o que estou dizendo é que eu te respeito e aceito você como você é, independente de minhas projeções pessoais, meus preconceitos, meus medos e desejos. Você é livre para ser quem você é e é meu dever encorajar isso e lutar para que seja assim. Socialmente falando, essa é a função da Lei de Thelema. O Novo Æon é uma era onde o conflito não é resolvido através da negação do outro mas de sua aceitação, pela compreensão da diferença e sua celebração.

Mas voltemos ao que disse o Sr. Crowley.

Menos conhecido do que o Liber Oz é um texto publicado como uma instrução para a Ordo Templi Orientis chamado “Dever”. Este texto é descrito como “uma nota sobre as principais regras de conduta prática a serem seguidas por aqueles que aceitam a Lei de Thelema”. Neste texto Crowley busca colocar de for- ma simples e direta quais são as obrigações de todo Thelemita desde para com si mesmo até para com todas as coisas que nos cercam. Se em Oz temos uma declaração de direitos, aqui temos os deveres. Pois uma vida em sociedade nos mostra que não há liberdade sem que se assumam responsabilidades.

Querer que seja diferente é uma mera ilusão. Então, temos que o Thelemita tem um dever para consigo mesmo que, de forma simples, é o de atingir o seu máximo potencial, seja espiritual, mental ou físico. Isso visa o entendimento de que você deve ser um indivíduo independente e autônomo e não um peso ou uma responsabilidade para outros, permitindo ao corpo social funcionar de forma justa e equilibrada.

O segundo dever é para com o outro. Isso contradiz muito do que se fala de Thelema como uma forma de se pensar egocêntrica. Sim, um Thelemita entende que possui deveres para com o outro. Porque se entende o valor do outro da mesma forma que entende o seu próprio valor. De fato, não se entende o valor de alguém como sendo maior ou menor do que o valor do outro. Independente de gênero, cor da pele, sexualidade, não importa: todos somos igualmente valiosos para si mesmo, para o outro e para a sociedade como um todo. Dentro do pensamento Thelêmico não há espaço para preconceitos, discursos de ódio ou qualquer forma de discriminação. Mas não para por aí. O texto também no fala do dever que cada um de nós tem para com a humanidade como um todo. Em seu aspecto mais amplo, mostra como a aplicação da Lei de Thelema em um âmbito maior pode ser benéfica para todos. Finalmente, mostra nossa obrigação com todos os outros seres vivos e com a Natureza, tornando–o um dos primeiros textos a mostrar a importância do pensamento ecológico pelo respeito que se deve ter pela razão de existência (para não usar o termo Verdadeira Vontade) de cada elemento do mundo.

Ainda menos conhecido é o Liber CXXIV. Conhece o número? Não se preocupe, muito pouca gente o reconheceria. É o número de um texto entitulado “Do Édem e do Carvalho Sagrado: e da Hospitalidade Maior e Menor dentro da O.T.O.”. Basicamente este texto, uma carta de Crowley para o então Vice—Rei da O.T.O. para a África do Sul, J. T. Windran, fala sobre como deveria funcionar uma Aba- dia Thelêmica (não, não deu tão certo na Itália). Ainda que o texto fale sobre uma estrutura aplicada à Ordo Templi Orientis, as ideias ali colocadas podem ser facilmente aplicadas a qualquer grupo. Nele podem ser encontra- dos exemplos práticos do que se postula em Liber Oz e Dever.

E tudo começa por um princípio simples: cordialidade. A partir do momento em que se considera que todos os membros de uma sociedade são nobres reis e rainhas, não se considera o menosprezo por nenhum deles. Muito pelo contrário, a regra central é o respeito e consideração mútuos. Na sociedade Thelêmica proposta ainda existe, claro, uma hierarquia mas esta é constituída de deveres e não de privilégios. Quanto mais alto se está na hierarquia Thelêmica mais se deve contribuir e mais assumem responsabilidades. E, ainda assim, essa hierarquia é vista principalmente como uma função de organização, jamais como interferência na vida pessoal de qualquer membro do grupo.

Por outro lado, responsabilidade e serviço são esperados de todos; entretanto, jamais de uma forma forçada. Espera–se que cada um descubra como, dentro de seus desejos, habilidades e prazeres, possa contribuir para o todo. A hierarquia, então, organiza essas responsabilidades de forma a que não haja sobrecarga a ninguém. A felicidade e o prazer são alcançados de forma geral, equilibrando–se um genuíno desejo de contribuição com a noção de que todos devem fazer sua parte.

Claro, nem sempre esse grau de consciência é partilhado por todos os membros de um grupo social. Sempre haverá aqueles que buscam, de

forma mesquinha, ter apenas direitos ou prazeres, sem uma justa e correspondente quantia de deveres e serviço. Em uma sociedade Thelêmica espera–se que a própria pessoa, através do exemplo de outros membros do grupo, compreenda onde está seu erro e se corrija sozinho.

Curiosa, porém, é a solução dada por Crowley para quando isso não acontece: deixar tudo ir por terra. Claro, não de forma radical ou irreversível.

A ideia é que os outros membros do grupo deixem, ostensivamente, de cumprir também suas funções, mostrando ao primeiro errado o que acontece se todos agem como ele: desagregação de um trabalho e de um grupo. Novamente, espera–se um nível mínimo de compreensão do eu e do outro para isso.

Alguns poderiam dizer que seria uma sociedade socialista ou mesmo comunista por suas características comunais e inclusivas.

Mas, não. Ainda que Thelema possa ser aplicada também a sociedades nestes moldes sócio econômicos, o mesmo poderia ser feito a grupos capitalistas. Apenas meios sociais totalitários, como fascismo ou nazismo, teriam problemas em incorporar Thelema às suas estruturas.

Os três textos são curtos, apenas o “Dever” é um pouco mais longo mas os três são de fácil leitura e assimilação. Mas, acima de tudo, mostram que é possível seguir um pensamento Thelêmico dissociado de qualquer forma de misticismo, ocultismo ou religiosidade: apenas uma filosofia de vida que, por sua própria estrutura busca a melhoria do ser humano não apenas no caráter espiritual mas também no social. E, assim vivida, proporcionaria a todos nós uma sociedade mais equilibrada, justa e funcional.


Autor: Frater Hrw

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