Por que Thelema NÃO É uma Religião

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Vem surgindo nos meios que se propõe a estudar Thelema a ideia de que o sistema criado por Aleister Crowley seria, na verdade, uma religião.

É bom que se diga que ainda não há em Thelema uma interpretação sistemática dos escritos de Crowley, muito menos uma unidade de pensamento, provavelmente por- que todo o pensamento Thelêmico é muito recente em termos de história, tendo pouco mais de cem anos, se contarmos o recebimento do Livro da Lei em 1904 e.v.

Some-se a isso o caráter eminentemente individualista do pensamento Thelêmico, não pelo prisma de uma ode ao egoísmo, mas sim pela valorização das potencialidades do ser humano, dito de outro modo, da Verdadeira Vontade.

Uma primeira leitura dos escritos do Crowley revelará  a  utilização de palavras como Deus, deus, Espírito Santo, espíritos, demônios, referências a Bíblia, ao Alcorão, ao Budismo, ao Taoísmo e ainda ao misticismo hebraico, cristão e mulçumano. Também é possível encontrar críticas ácidas às religiões mais difundidas, o que não pode por certo passar despercebido.

Há ainda o rito central da O.T.O., a Missa Gnóstica cuja palavra “Missa” que (em conjunto com as palavras ditas encontradas nos escritos da Grande Besta) pode cair como uma bomba subliminar na mente de muitos que de forma automática podem (ao menos tentar) definir Thelema como uma religião.

Hodiernamente o conceito de religião não é algo que se faça com facilidade e ainda não é tarefa das mais fáceis (salvo se lançarmos mão da hipocrisia). Definir religião sem ao menos esbarrar nos caminhos hermenêuticos já percorridos pela humanidade nas grandes religiões.

O incauto no seu afoito em definir Thelema como uma religião descuidando antes de qualquer embasamento teórico que alicerce a veracidade de sua tese, qual seja, ser Thelema uma religião, esquece-se que antes de qualquer estruturação de uma religião há de se ter um pensamento filosófico que a explique e lhe de o caráter meta humano.

É divertido ver o significado de religião (como sendo a religação do ser humano com o divino) sendo utilizado dentro de Thelema, pois este conceito de religião foi forjado (muito bem forjado) por Santo Agostinho como retórica de afirmação do cristianismo (católico romano) como a “religião verdadeira”.

Verdade que “religião” é hoje em dia algo visto com receio. E não é para menos. Maquiavel foi um dos primeiro a perceber que religião pode ser um poderoso instrumento de manipulação política. Não raras foram as oportunidades em que esta observação de Maquiavel foi posta à prova e aprovada, restando certo o pensador que praticamente fundou a ciência política.

Observando as religiões mais difundidas e que por isto mesmo podem ser exemplos de religião (não pelo seu conteúdo, mas por sua aceitação e número de seguidores), cumpre dizer que todas apresentam ao menos quatro características:

  1. a ideia de que existe uma inteligência absoluta, externa, independente do ser humano,
  2. a ideia de que a vida terrena é cercada e recheada de injustiças, sendo a vida posterior uma forma de corrigir ou equilibrar estas injustiças,
  3. o medo da morte e
  4. dogmas doutrinários.

Com efeito, estas quatro características confrontam de maneira inconciliável com Thelema, porque:

  1. “não há deus senão o ser humano”, ou seja, se existe divino ele não é independente, nem está fora de você,
  2. se o mundo é injusto, lute por seus direitos porque você tem um carta de direitos para isso (Liber 77), mas lute aqui e faça por você mesmo, não espere de ninguém,
  3. em Thelema, não existe medo da morte neste sentido, vide a visão heliocêntrica e
  4. não há dogmas em Thelema.

Muito embora, repise-se, ainda não se tenha uma interpretação sistemática do sistema cria- do por Crowley, você tem, de outro giro, a possibilidade de cada um interpretar os escritos crowleyanos e de acordo com a sua personalidade e seu histórico de vida, a fim de ter para si um conjunto de princípios mínimos (além de práticas específicas) que podem guiar naquilo que seria o ápice do sistema Thelêmico: o cumprimento da Verdadeira Vontade.

Muitos ainda vão perguntar: e os Deuses, espíritos, demônios etc. que aparecem nos textos de Crowley? Olha, francamente, isto per si não é suficiente para definir Thelema como religião, indicando mais que estamos  diante de um discurso poético que visa estimular a imaginação individual, o que casa com a possibilidade pessoal de cada homem ou mulher (cada estrela) interpretar os libri Thelêmicos.

Em todo o pensamento ocidental, quem mais se aproximou ou foi aproximado pelo próprio Crowley de Thelema foi sem dúvida Nietzsche, que conectou as manifestações autênticas do ser humano como instinto de sobrevivência, domínio da natureza, expansão e exploração da própria personalidade etc., com aquilo que ele nominou de “vontade de potência”. Não vamos aqui adentrar a possível identificação de similitudes entre os conceitos de “vontade” formulados por Crowley e Nietzsche, porém, evidente que não é mera coincidência o segundo aparecer com toda a sua filosofia no Líber XV, o que certamente afasta a possibilidade de açodadamente definir Thelema como uma religião, isto principalmente após e pela denuncia de que deus está morto.


Autor: Frater Leon 777

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