O Sistema de Graus da O.T.O.

Retirado de The Confessions of Aleister Crowley

Os Rosa-Cruzes do século dezoito, assim chamados na áustria, já haviam tentado unir os vários ramos da Maçonaria continental e suas superestruturas; no século dezenove, principalmente graças a energia e habilidade de um rico mestre chamado Karl Kellner, a reconstrução e consolidação da verdade tradicional foi tentada. Um corpo foi formado sob o nome O.T.O. (Ordo Templi Orientis), o qual se propôs a alcançar este resultado. Ele se propôs a comunicar os segredos, não apenas da Maçonaria, mas da Igreja Católica Gnóstica, dos Martinistas, do Sat Bhai, dos Rosacruzes, dos Cavaleiros do Espírito Santo, etc., em nove graus, com um décimo de caráter honorário para distinguir o “Supremo e Santo Rei” da Ordem em cada país aonde se estabelecesse. O Chefe desses reis é o O.H.O., o qual é um autocrata absoluto. Esta posição era na época ocupada por Theodor Reuss, o Supremo e Santo Rei da Germania, que abdicou do posto em 1922 em meu favor.

O O.H.O. colocou os rituais da Ordem a minha disposição. Eu os achei do maior valor para o segredo central, mas, por outro lado, bastante deficientes. Eles eram dramaticamente inúteis, a prosa era desigual, faltava-lhes unidade filosófica e suas informações eram incompletas e não sistemáticas. Suas ideias centrais eram, entretanto, do tipo correto; e eu pude utilizá-las como modelo.

Eram dois os principais objetivos da instrução. Era primeiramente necessário explicar-se o universo e as relações da vida humana nele. Em segundo lugar, instruir todo homem como melhor adaptar sua vida ao cosmos e desenvolver suas faculdades ao máximo de suas capacidades. De acordo com isto eu construí uma série de rituais, Minerval, Homem, Magista, Mestre-Magista, Magista Perfeito e Perfeito Iniciado, os quais ilustram o curso da vida humana no mais amplo aspecto filosófico. Eu começo por mostrar o objetivo da alma pura, “Única, individual e eterna”, ao decidir formular-se conscientemente, ou, como eu diria, entender a si mesma.

A alma escolhe entrar em relação com o sistema solar. Ela encarna. Eu explico o significado do nascimento e as condições estabelecidas pelo processo. A seguir, eu mostro como melhor realizar o seu objetivo na eucaristia da vida. Ela participa, por assim dizer, de sua própria divindade em toda ação, mas o faz de forma especial através do sacramento típico do casamento, entendido como a união voluntária com cada elemento do seu ambiente. Eu então prossigo ao clímax da sua carreira na morte e mostro como este sacramento tanto consagra (ou, melhor, coloca seu selo sobre) o procedimento prévio e lhe dá um significado, assim como a prestação de contas permite ao comerciante ver suas transações do ano em perspectiva.

Na cerimônia seguinte eu mostro como o indivíduo, libertado pela morte da obsessão da personalidade, renova suas relações com o universo. A realidade irrompe sobre ele em um lampejo de luz adorável; ele está apto a apreciar seu esplendor de uma forma que antes não podia, uma vez que sua encarnação o tornou apto a estabelecer relações particulares entre os elementos da eternidade.

Finalmente, o ciclo é fechado pela absorção de toda individualidade no infinito. Ele termina em absoluta aniquilação, a qual, como foi mostrado em outra parte deste livro, pode na verdade ser considerada tanto como o exato equivalente para todos outros termos, quaisquer que sejam, ou (postulando a categoria do tempo) como formando o ponto inicial para uma nova aventura do mesmo tipo.

Fica claro a partir do que foi escrito acima que a perfeição filosófica deste sistema de iniciação não deixa nada a desejar. Nós podemos escrever Q.E.D.. Mas o problema prático permanece. Nós já decidimos encarnar, e nossas certidões de nascimento estão com nossos tabeliães. Nós não temos que nos preocupar com estes assuntos, e não podemos alterá-los se quiséssemos; a morte, e o que a segue, são igualmente certos, e igualmente capazes de cuidarem de si mesmos. Nossa única preocupação é como fazer o melhor uso de nossas vidas.

Agora, a O.T.O. está na posse de um segredo supremo. Todo o seu sistema na época em que fui iniciado no Santuário da Gnose (IXº Grau) era direcionado a comunicar aos seus membros, através de progressivas e claras alusões, esta importantíssima instrução. Eu pessoalmente acredito que se este segredo, o qual é um segredo científico, fosse perfeitamente entendido, de uma forma pela qual ele não é sequer por mim após quase doze anos de estudo e experimentação constante, não haveria nada do que a imaginação pode conceber que não pudesse ser realizado na prática.

Os mandamentos dos sábios, de Pitágoras, Zoroastro e Lao Tzu, até o cabalista judeu que escreveu o ritual da Arca Sagrada, e do esnobe sentimental que compôs os graus do Ofício, ou estão direcionados para indicar as melhores condições de se aplicar este segredo, ou são mero desperdício de palavras. Percebendo isto, foi comparativamente simples para mim editar éticas maçônicas e esotéricas. Eu tive apenas que referir tudo a esta regra sublime. O primeiro destes graus é o Vº Grau, no qual o segredo é apresentado em uma encenação; ao mesmo tempo em que ele é também instruído nos elementos essenciais da história do mundo, considerado do ponto de vista de seu presente estado de evolução e em sua apropriada relação com a sociedade em geral.

O grau de Cavaleiro Hermético Filosófico vem a seguir, no qual suas atitudes intelectuais e morais são mais definidas. No VIº Grau, sua posição tendo sido assim precisada, lhe é mostrado como consagrar-se à Grande Obra específica que ele veio a terra para realizar. No VIIº Grau, que é tripartido, ele é inicialmente ensinado sobre o princípio do equilíbrio estendido a todas as ideias morais; a seguir, a todas as ideias intelectuais possíveis; e, finalmente, lhe é mostrado como, baseando todas as suas ações nesta inexpugnável rocha de justiça, ele pode dirigir sua vida, comprometendo-se à sua Grande Obra com plena responsabilidade e em absoluta liberdade de todas as interferências possíveis.

No VIIIº Grau, o segredo é mais uma vez manifestado a ele, mais claramente do que antes; e ele é instruído em como treinar-se para usá-lo através de certas práticas preliminares, envolvendo o contato com algumas destas energias sutis que até agora, em sua maior parte, escaparam da observação e controle da ciência profana.

No IXº Grau, o qual nunca é conferido a alguém que não tenha adivinhado pelas indicações prévias a natureza do segredo, este é explicado totalmente. As conclusões dos experimentos prévios são colocadas a sua disposição.

O Xº Grau, como no sistema antigo, é meramente honorário, mas recentes pesquisas nos mistérios do IXº Grau me compeliram a adicionar um XIº Grau, para ilustrar uma ideia científica que vem sendo desenvolvida pelos resultados de experimentos recentes.

Na O.T.O. reconstituída existem portanto seis graus nos quais é dada uma compreensiva concepção do cosmos e de nossas relações com ele, e um número similar para lidar com nossa obrigação com nós mesmos e com nossos companheiros, o desenvolvimento de nossas faculdades de todo tipo, e o avanço e desenvolvimento de toda humanidade.

Sobre os propósitos originais da Ordem, não há nenhuma dúvida de que a redução da enfadonha massa de assuntos maçônicos e similares a um sistema simples, inteligível e funcional permite às pessoas aproveitarem todas vantagens das iniciações, as quais, nos tempos antigos, eram muito variadas para serem conferidas mesmo aqueles que devotavam uma soma desproporcional do seu tempo ao assunto. O segredo central da Maçonaria que estava perdido, e foi encontrado, é usado diariamente pelos iniciados da nossa Ordem. Fatos científicos estão se acumulando rapidamente; e é certo que, em pouco tempo, nós estaremos aptos a dispor de uma força mais poderosa do que a eletricidade e capaz de uma aplicação mais ampla, com a mesma certeza. Nossos resultados qualitativos são inquestionáveis. A falta de métodos quantitativos, que por muitos séculos impediu a aplicação sistemática do nosso conhecimento, será logo suprida.

Eu posso dizer que o segredo da O.T.O., além de tudo o que foi mencionado acima, provou para todos os intentos e propósitos [ser] a simplificação e a concentração de todo o meu conhecimento mágico. Todos os meus velhos métodos foram unificados neste novo método. Ele não os substitui exatamente, mas os interpreta. Ele também tornou-me apto a construir um tipo uniforme de instrumento capaz de realizar qualquer coisa que eu tenha vontade.

Minha associação com a Maçonaria estava portanto destinada a ser mais fértil do que quase todo outro estudo, e isto apesar dela mesma. Torna-se aqui pertinente uma palavra a respeito da questão do segredo. Tornou-se difícil para mim levar esta questão muito a sério. Sabendo o que os segredos realmente são, eu não posso dar muita importância a mistérios artificiais. É certo que alguns dos assim chamados segredos são significativos, mas via de regra eles o são apenas para os que já sabem o que é o segredo. Assim, embora o segredo em si seja de tremenda importância, e embora seja muito fácil para mim revelá-lo, e às principais regras para empregá-lo da forma mais eficiente, em um parágrafo curto, eu devo fazê-lo sem causar muito dano. Pois ele não pode ser usado indiscriminadamente.

Muita troça foi feita sobre os alquimistas por estes insistirem que a Grande Obra, um processo ostensivamente químico, podia ser realizado apenas por adeptos que temam e amem a Deus, e que pratiquem a castidade e várias outras virtudes. Mas há mais senso comum nestas afirmações do que se imagina. Um bêbado desregrado não pode realizar delicadas manipulações em Química ou Física; e a força a qual o segredo concerne, enquanto tão material quanto as emanações de Becquerel, é mais sutil do que qualquer uma conhecida. Para jogar bem golfe ou sinuca, para observar delicadas reações, ou para conduzir recônditas buscas matemáticas, pede-se mais do que superioridades físicas. Até mesmo as condições teológicas exigidas pela Alquimia tem significado nos dias de hoje. Um Elizabethano que não estivesse “em paz com Deus” estaria conturbado e portanto desqualificado para um trabalho que requer liberdade de distrações emocionais. Eu descobri na prática que o segredo da O.T.O. não pode ser usado indignamente.

É interessante, dentro deste contexto, recordar como ele veio a se torna posse minha. Ocorreu-me escrever um livro, O “Livro das Mentiras”, o qual é falsamente chamado “Quebras”, os devaneios ou falsificações do pensamento de Frater Perdurabo, cujo pensamento em si mesmo é falso.

Cada um dos seus noventa e três capítulos expunha algum profundo dogma mágico de forma epigramática e algumas vezes humorística. O valor cabalístico do número de cada capítulo determinava o assunto. Eu escrevi um ou mais diariamente, no almoço ou no jantar, com o auxílio do deus Dionysus. Um destes capítulos me incomodou. Eu não conseguia escrevê-lo. Eu invoquei Dionysus com um fervor peculiar, mas, ainda assim, sem sucesso. Saí em desespero para “mudar a minha sorte”, fazendo algo completamente contrário às minhas inclinações. No meio do desgosto, o espírito veio a mim e eu escrevi o capítulo, iluminado por uma pequena luz. Quando eu o li a seguir, fiquei tão descontente quanto antes, mas o enfiei no livro com uma espécie de raiva contra mim mesmo, como um ato deliberado de desprezo contra meus leitores.

Logo após a publicação, o O.H.O. veio a mim. (Nesta época eu não desconfiava de que existisse algo na O.T.O. além de um conveniente compêndio das mais importantes verdades da Maçonaria.) Ele disse que, uma vez que eu estava familiarizado com o supremo segredo da Ordem, eu deveria ser admitido ao IXº grau e compromissado ao seu respeito. Eu protestei que não conhecia tal segredo. Ele disse, “Mas você o imprimiu na mais clara linguagem”. Eu disse que não o poderia ter feito porque eu não o conhecia. Ele foi até as prateleiras, e, pegando uma cópia do “Livro das Mentiras”, apontou para a passagem no capítulo desprezado. Imediatamente este ficou claro para mim. Todo o simbolismo, não apenas da Maçonaria, mas de muitas outras tradições, brilhou sobre a minha visão espiritual. A partir deste momento a O.T.O. assumiu para mim a sua importância apropriada. Eu entendi que tinha em minhas mãos a chave para o futuro progresso da humanidade. Eu me dediquei imediatamente a aprender tudo o que ele podia me ensinar, descobrindo, para minha extrema surpresa, que era muito pouco. Ele entendia plenamente a importância do assunto e era um homem de considerável aquisição científica em muitos aspectos; mesmo assim, ele nunca fez um estudo sistemático do assunto e sequer aplicou o seu conhecimento aos seus propósitos, a não ser em raras emergências. Tão logo eu me assegurei pela experiência de que a nova força era de fato capaz de realizar os resultados teoricamente previsíveis, eu devotei praticamente todo o meu tempo livre a uma série de experimentos.

Eu posso concluir este capítulo com a observação geral de que eu acredito que os meus projetos de reconstituir a Maçonaria, nas linhas acima delineados, deverão se mostrar criticamente importantes. A civilização está fragmentando-se diante de nossos olhos, e eu creio que a melhor chance de se salvar o pouco que vale a pena ser salvo, e reconstruir-se o Templo do Espírito Santo, tanto em projeto quanto em material e trabalho, os quais devem ser livres dos erros do anterior, encontra-se com a O.T.O.

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