Estava eu confortavelmente sentada no sofá do templo de Horus, quando aquele som indesejável e interrogador me chegou aos ouvidos tal qual mosquito que zumzzzurge e atrapalha a siesta: “Naob, o que é um mago?”
Olhei para a face inquiridora e ela me sorria.
Pensei cá comigo: “Horus Episkopos é um grande irmão e amigo, mas ele adora me colocar em ‘saia justa'”, e é claro que a esta altura ele já adivinhava os meus pensamentos e o sorriso de doce tomou ares de troça e fraterna zombaria.
Me mantive por alguns segundos em silêncio, beirando a perplexidade, tamanha a surpresa que a objetividade da pergunta me causou. Porém, antes mesmo que eu pudesse replicar, ele se aproxima e me incita a escrever um artigo sobre o assunto para o nosso site. Aquilo me soou como um desafio e bem, aqui estou eu tentando responder a esta inquietante e difícil pergunta: o que é um mago?
Os leitores provavelmente irão estranhar que um membro de uma tão respeitável Ordem de magia como a Ordo Templi Orientis tenha dificuldades em responder a tão aparentemente óbvia e simples pergunta. Afinal de contas, eu devo andar por aí com um daqueles chapéus engraçados na cabeça e aquela vara na mão — sem eufemismos maliciosos, por favor — invocando terríveis demônios de Saturno, apolíneos anjos de Vênus e Deuses de sei lá onde. Portanto, pensa o caro leitor, sendo a magia o meu cotidiano eu deveria ter uma resposta pronta na ponta da língua!
Não lamento frustrar aqueles que lêem este artigo desde que em favor de uma pequena reflexão. A magia é realmente o meu cotidiano, embora não ande por aí usando coisas engraçadas e dizendo “abrakadabra”, mas a magia é tão meu cotidiano quanto é para cada um de vocês que lêem estas linhas. O sol que nasce, ascende e se põe, infalivelmente ministra, gratuitamente e abertamente a todos um ensinamento secreto e central de magia todos os dias. Ensinamento este que todos praticam de forma inconsciente ao obedecer ao relógio biológico da constituição humana. Ao anoitecer e sucumbir ao sono mergulham em Amenti e, da mesma forma que Rá o fazia ao finalizar o seu percurso pelo céu do antigo Egito, também vocês irão enfrentar os terrores do reino da morte até finalmente vencerem Apep e renascerem transmutados e vitoriosos, tal qual Rá, no novo dia.
Todos nós somos Osíris ressurrecto em seu filho Hórus, graças à habilidade mágica de Ísis, a grande mãe natureza. Todos nós sofremos a grande morte todos os dias ao adormecer, bem como, ressuscitamos para a vida ao amanhecer. Todos, sem nenhuma exceção, possuem a fórmula mágica da maestria da morte e da vida e exercitam esta fórmula durante todos os dias de sua existência. Concluo então que todos são magos.
Então por que perguntar o que é um mago se todos nós o somos? Qual é o objetivo e profundidade da pergunta?
Poderia eu dizer que todo mago é um ilusionista? Sim, sem dúvida nenhuma!
Poderia eu dizer que todo ilusionista é um mago? Não, absolutamente não!
Existe um sem-número de definições para aquilo que seria um mago e eu poderia, a fim de agradar a todos e exibir minha bela cauda de pavão, discorrer desde Giordano Bruno, passando por Cornelius Agrippa, Cagliostro, Levi e tantos outros até chegar aos nossos dias com a figura de Crowley, Austin Osman Spare e muitos dos contemporâneos. E por que não falar em Buda, Moisés, Yoshoa, etc? E quanto a todos aqueles que nos passaram incógnitos? Todos estes têm algo importante a dizer sobre o que é um mago, mas não é do meu interesse e também não deveria ser o de vocês, caso um dia almejem a maestria mágica, obter e fornecer respostas já estruturadas e bem definidas por outros. A magia só pode ser compreendida, mesmo quando em grupo, pela experiência individual, e é ao fruto desta experiência elevada à potência infinita que chamamos mago.
Magia é o ato de fazer, de elaborar, de concretizar, uma atitude de contínua criação e realização que se prolonga até o alcance do fim último. O mago é um ser cuja vida se resume, não importando as condições, a um ato de constante criação e realização de si mesmo, um ato subjetivo que se expande para o mundo objetivo que o cerca.
Mas todos nós criamos e realizamos em algum âmbito, seja pessoal ou profissional, subjetivo ou objetivo. Todos nós temos este tipo de atitude, independente dos diferentes níveis de profundidade que o nossa ação possa atingir. O ato de criação e realização é inerente ao homem comum ou, pelo menos, assim acreditamos!
Então o que diferencia o ser humano comum do prodigioso mago?
Muitos minúsculos e suaves relevos que ao olhar do vulgo passam desapercebidos, mas que não escapam ao olhar aguçado do magista. De forma a sintetiza-los e possibilitar uma melhor compreensão, eu diria que o homem comum continua sendo aquele filho de sua mãe e de seu pai, enquanto que o mago se tornou pai e mãe de si mesmo. O mago se tornou um ser auto-gerado e é exatamente disto que provém a sua capacidade em realizar todo tipo de prodígios e maravilhas que o homem comum não é capaz de alcançar. É devido a este seu ato de auto-geração que o mago recebe o título de deus. O mago se diferenciou do homem comum, quando contrapôs ação à reação e venceu a inércia do universo, escapando ao controle do processo de automação do mundo para obter o controle individual e único dos fluxos que regem as condições tanto da vida quanto da morte. Ele se atreveu a ler e aprender o seu próprio livro de segredos, afirmando Eu Quero, Eu Ouso, Eu Posso, Eu Calo, pois Eu Sou.
Ele quis, ousou e pôde cometer o grande pecado do incesto e, fertilizando o útero de sua própria Mãe, ele calou, a fim de resgatar o Si Mesmo dos grilhões que o aprisionavam. Conquistou, através das agruras e angústias da morte, o dom da vida eterna e a maestria do reino dos mortos. Em razão disto, o mago é conhecido como Aquele Duas Vezes Nascido, aquele que fertilizou a terra com seu próprio sangue e renasceu, conquistando o trono de seu Pai, o Sol.
A chave? Consciência.
O meio? O mundo.
As ferramentas? Fenômenos subjetivos e objetivos.
O método? Integração.
O tempo? Aqui e agora.
A meta? Morte.
O ganho? Renascimento.
O fruto? O mago.
O prodígio? Ilusão.
E então…
A chave? Consciência da plenitude e continuidade do êxtase da existência
O meio? A criação do mundo.
A ferramenta? Eu Sou.
O método? Divisão.
O tempo? Contínuo.
A meta? Realização da Verdadeira Vontade.
O ganho? Dissolução.
O fruto? O Nada que contém o Todo e o Todo que é Nada.
O prodígio? Silêncio.
E, para finalizar, eu diria que o mago é aquele sujeito que vive no escuro, mas que deseja tanto acender a luz da sala que se torna maníaco por interruptores. Quando entra em casa, a sua inabalável, resoluta e retamente direcionada vontade o faz estar pleno, integralmente presente, no ato de amor incondicional da mão que se eleva e pressiona o iterruptor
Desejam ser magos?
Primeiro precisam decidir se querem realmente acender a luz da sala.
Autora: Soror O. Naob