Mestres Também Vão ao Banheiro

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Sempre acho graça na forma como as pessoas imaginam os chamados “mestres”, seja na forma como estes se apresentem. Podem ser os altos iniciados de ordens mágicas ou líderes de fraternidades místicas. Podem ser gurus ou iogues. Sacerdotes e sacerdotisas de várias religiões e por aí vai. Não adianta. É só o sujeito chegar a um determinado nível de sua evolução espiritual particular que todo mundo à sua volta já coloca nele um crachá de “mestre” e o apartam do resto da raça humana, como se eles se tornassem algum tipo de criatura especial. Talvez azul.

É claro que aqui eu não estou falando daquela turminha que tem uma especial predileção para agitar os braços em praça pública ou mandar e-mails para 845 listas de discussão dizendo “olhem para mim, eu sou um mestre”. Esses não contam. Estou falando do pessoal que chegou lá de verdade, por esforço próprio. E sabe que não adianta nada ficar alardeando isso.

Em geral esses mestres são vistos pelo “cidadão ocultista médio”, ao qual daremos o mome genérico de Zé, como seres sobre-humanos, completamente infalíveis e perfeitos. Zé pensa nessas pessoas como sempre tendo pensamentos iluminados, livres de erros e das falhas mesquinhas da mente humana. Quase como se tivessem recebido um certificado ISO 9000 espiritual. Os mestres, na concepção de Zé, não têm as preocupações mundanas que todos temos, tais como pagar contas, ir ao supermercado ou mesmo dar um pulinho no banheiro. Não, eles são perfeitos em corpo e mente.

Até que o nosso amigo Zé conhece um desses mestres. Oh, glória! Oh, dádiva! Oh, momento inesquecível!

Oh, decepção…

Ele acaba descobrindo que um mestre é igualzinho a qualquer outro ser humano. Que com toda a sua sabedoria ele faz também as suas bobagens. Que com toda a sua ascenção espiritual ele também xinga e tem pensamentos mesquinhos. Caramba! Ele até — abominação das abominações — come hambúrgueres e bebe Coca-Cola! Que horror! Como é possível que um mestre, um ser superior, um ascencionado, alguém que trabalhou sua vida inteira para atingir um nível mais alto de consiência seja tão… tão… humano! Mas é assim mesmo. Um grande mago, um grande mestre, guru, buda ou seja lá como queira chamar não é mais nem menos do que um ser humano como qualquer outro, dotado das mesmas forças e fraquezas que qualquer um de nós. Ele ri e chora, ama e odeia, tudo igualzinho a todo mundo.

Então podemos concluir que toda essa história de mestres, ascenção espiritual e coisa e tal é uma tremenda balela; deixemos isso para lá e vamos tomar uma cervejinha lá no botequim. Certo, vamos para o botequim, nada contra. Só que aí é que entra a vantagem do verdadeiro mestre. Ele vai tomar sua cervejinha no boteco sem deixar de lado seu lado espiritual. Pois ser um mestre não significa abdicar da sua humanidade, do cotidiano, da vida mundana. Isso é ser alienado, não espiritualizado.

Um mestre não é alguém perfeito, sem máculas, ou “pecados”. Não é alguém que não erra ou que não possui sentimentos (ditos) “negativos”. Ele tem e passa por tudo aquilo que todos nós passamos. A diferença está no nível de consciência que o mestre mantém em todos os processos da vida, do seu dia-a-dia. Quando ele vai tomar a cerveja ele estará mantendo uma plena consciência em seus atos, pensamentos e sensações. Então ele não apenas irá beber a cerveja como, muito provavelmente, irá apreciá-la muito mais do que eu ou você. Mas não por ter um paladar melhor, apenas por ter mais consciência do que seu paladar está lhe dizendo. Um mestre se aborrece e odeia; mas sabe exatamente porque está se aborrecendo ou odiando e lida com isso de forma plena e consciente, sabendo muito bem como lidar com estes sentimentos e não sendo controlado por eles. Um mestre ama e se apaixona, mas sabe deixar estes sentimentos debaixo de sua rédea para que possa colocá-los de lado quando eles não lhe forem convenientes, trazendo-os de novo à tona quando puder apreciá-los de forma plena e sem prejuízos. Um mestre faz lá suas besteiras e idiotices, sim, mas não tenta fugir das responsabilidades que elas acarretam e aprende com elas, ao invés de fingir que nada aconteceu. É isso que torna alguém realmetne um mestre, não conhecimento acumulado, títulos ou meramente pose.

O que diferencia um verdadeiro mestre do “cidadão comum” não é uma auréola em torno da sua cabeça mas simplesmente que o mestre realmente está vivendo sua vida e não meramente existindo. Na verdade todos agimos como mestres em vários momentos de nosso dia: quando damos toda a nossa atenção a alguma coisa, quando agimos por decisão e não por impulso, quando buscamos aprender com nossos erros ao invés de simplesmente dizer “desculpe” e deixar para lá… Nestes momentos somos mestres. O truque consiste em não viver isso apenas em alguns momentos aleatórios de nossas vidas mas fazer com que isso seja o estado constante com que passamos o dia.

E isso não acontece de uma hora para outra, em um passe de mágica. É um trabalho. Aperfeiçoa-se o espírito tal como um atleta aperfeiçoa seu corpo. Tal qual um músico trabalha sua arte até se tornar um maestro. Um atleta está constantemente flexionando seus músculos ou realizando pequenos movimentos que imitam o do esporte que pratica. Um pianista volta e meia está movendo seus dedos como se estivessem frente ao teclado. Eles não fazem isso por vaidade mas para manter um treinamento constante de suas habilidades. O mestre é a mesma coisa. Constantemente está praticando seus exercícios, está se auto-observando e observando o mundo. E é assim que ele não apenas se torna um mestre mas se mantém como um. Porque, assim como o atleta pode perder o tônus muscular se parar de praticar esportes e o pianista perde a agilidade dos dedos se parar de praticar, o mestre também irá perder suas “qualidades especiais” se deixar seus exercícios, práticas e observações de lado.

Se um mestre não é chegar lá e pronto. É um exercício de vida, para toda a vida.


Autor: Horus Menthu

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