Cosmologia & Metafísica

A maneira como Thelema enxerga o Universo

Cosmologia

A cosmologia de Thelema postula que tudo o que existe é produto da interação de dois princípios cósmicos: o Infinito Estendido, que é o espaço–tempo contínuo ou o Macrocosmo; e o coração atômico, individual, do Microcosmo de cada ser. O casamento entre esses dois princípios opostos dá origem à Consciência, que governa a existência.

No Livro da Lei, esses três princípios são personificados por antigos deuses egípcios, respectivamente:

  1. Nuit (Nu) manifesta-se no Capítulo I. Ela é a Deusa do Infinito e Rainha do Espaço: seu corpo é representado como um céu noturno curvado, no qual “todo homem e toda mulher é uma estrela” (Liber AL, I:3). Ela representa o Universo e a totalidade de experiências possíveis nele. É o complemento de Hadit.
  2. Hadit (Had) manifesta-se no Capítulo II. Ele é o globo solar alado, o ponto infinitamente contraído, o ser íntimo de cada um e tanto a Vida quanto o doador de Vida. É o complemento de Nuit.
  3. Ra-Hoor-Khuit (Hórus) manifesta-se no Capítulo III. Ele é o Senhor do presente Éon, o deus da cabeça de Falcão, também conhecido como a Criança Coroada e Conquistadora.

Thelema segue a ideia de que a evolução da consciência cultural da humanidade, bem como da consciência individual de cada um, desenvolve–se através de ciclos. A história é dividida numa série de “Æons” ou "Éons" (Eras), cada qual marcado por um conceito dominante de deus e por uma “fórmula” de redenção, evolução e postura diante da sociedade, de si mesmo e da existência como um todo, sendo assim representada por um aspecto de consciência e não através de uma configuração celeste ou um período de tempo.

Hórus, como regente do atual Éon, sucede os Éons de Ísis – matriarcal, cuja fórmula neolítica era de adoração à Grande Mãe em troca de nutrição e fertilidade – e o de Osíris, baseado no culto a um deus patriarcal que exige obediência e sacrifício. No Novo Éon, a Lei é sintetizada nos conceitos Thelema (Vontade) e Ágape (Amor), estabelecendo que a nova fórmula mágicka é fundamentada em conhecimento e crescimento individual, através do Amor, culminando em auto–realização. Assim, Hórus representa também o Homem divinizado e a Mulher divinizada.

0 = 2 (A divisão e a dissolução)

Outro modo de se ver em Thelema esta dinâmica de criação de tudo que existe é por meio de uma fórmula: o "Nenhum e Dois", também representado pela expressão numérica "0 = 2 ", simbolizando 0 um estado de indiferenciação, onde os princípios opostos se dissolveram ou ainda não se manifestaram, e 2 o estado de divisão, onde ocorre a manifestação da pluralidade que antes existia apenas potencialmente.

Através deste conceito chega–se à ideia de que o Universo é, na sua essência, Zero, ou "Nada". Isso define a existência não como nula, mas impossível de ser entendida racionalmente, uma vez que ela é um desdobramento do Nada incognoscível — que, paradoxalmente, realiza Tudo que existe. Muitos místicos veem nesta fórmula a dinâmica da Unidade, quando a dualidade e a anulação se correspondem perfeitamente. Desta forma, tudo o que foi dividido tende a se unir, e assim os polos opostos se unificam e transcendem a si mesmos. Essa é também uma das bases metafísicas da Magia Sexual.

Posto que tal dinâmica de separação e de união dos opostos são fases da criação de tudo que existe, tem–se que o Universo é um movimento contínuo. Em Thelema, uma série de cosmologias parecem se cruzar, como a exposta no Credo da Missa Gnóstica ou no texto "Matéria em Movimento" de "O Novo Comento" (A. Crowley). Isso é perfeitamente possível e natural dentro do pensamento Thelêmico, que busca não a negação de conceitos conflitantes, mas sua síntese. Essa essência é expressa na própria estrutura do Livro da Lei, nos conceitos de Nuit, Hadit e Ra–Hoor–Khuit: o Universo (Nuit), que é o Infinito macroscópico, é constante movimento circular ao redor do Ser (Hadit), Infinito microscópico, e do casamento místico dessas essências surge o Ser Humano pleno (Ra–Hoor–Khuit).

A Vida

Outra coisa a ser compreendida é que a realidade e a vida são encaradas por Thelema como puro regozijo. Não possuindo um conceito análogo aos de Pecado Original, castigo divino ou término de uma "Idade de Ouro", Thelema não crê na vida como uma punição, um cárcere ou um tormento. A alegria da existência e o êxtase do Amor, como exaltação e refinamento da consciência, são a própria base da realidade. Ainda que se compreenda que existam a dor e outras fontes de angústia, estas não são nem negadas, nem se tornam em si mesmas a base de um comportamento. São, ao invés disso, sintomas de algum processo natural ou fase específica do espírito humano.

Ao finalmente conhecer sua Vontade e executar a fórmula do "Faze o que tu queres", o Ser Humano torna–se pleno, livre de toda dualidade, ilusão e restrição. Ele se torna o Zero, a potência do Todo: torna–se Pã, a brincar enquanto cria livremente, tocando a sua flauta, em seu bosque sob a Noite.

Autoconhecimento

Portanto, a teologia Thelêmica busca proporcionar o entendimento do funcionamento do Ser Humano e, como o que está em cima é como o que está embaixo, consequentemente também do funcionamento do Universo, como no postulado de Delfos: "Homem, conhece–te a ti mesmo e conhecerás aos deuses e ao Universo". A força motriz da realidade é a Vontade (Thelema), enquanto sua natureza é o Amor (Agape). A fórmula do Amor descreve que tudo aquilo que está dividido, está pela oportunidade do Amor, pela chance de união. Esse força que impulsiona a comunhão é a ideia contida em "Amor sob vontade". Assim, também, cada ação ou movimento criativo da Vontade é um ato de Amor.

Metafísica

Thelema é uma filosofia panteísta. Sendo assim, o Universo é Divino e cada uma de suas expressões particulares também goza dessa natureza divina. Portanto, os deuses são encarados não de forma literal, mas como um princípio natural que tem correspondência no espírito humano. Consequentemente, o panteão Thelêmico é essencialmente aberto, uma vez que toda e qualquer divindade, pertencente a qualquer mitologia ou forma de pensamento religioso, é admitida como uma maneira de exprimir um conceito ou um aspecto da realidade.

Também é normalmente considerado que cada pessoa possui um Augoeides, ou Sagrado Anjo Guardião (SAG), que pode ser considerado como a voz do “Si Mesmo” de cada um – ou seu “Self”, termo que se usa para distingui–lo do Ego, que é nossa noção superficial de "eu", a porção consciente na qual enraizamos nossa identidade e através da qual, até então, travamos nossa relação com o mundo e com nossa própria interioridade. Um dos principais objetivos em Thelema é o que se chama de "Conhecimento e Conversação com o Sagrado Anjo Guardião", referente ao estado iniciático onde ocorre comunicação e comunhão entre o(a) Adepto(a) e sua Divindade, que é seu Mestre Interior. No que tange aos conceitos do pós–morte, a própria vida é considerada como contínua, sendo a morte parte integrante do todo. A vida termina para que a vida continue. O SAG, entretanto, é imortal, não estando submetido aos ciclos de vida e morte.

Respeitando os métodos e crenças particulares a cada indivíduo, os(as) Thelemitas costumam se adequar Hermetismo tradicional na doutrina de que cada pessoa possui um Corpo de Luz, uma alma organizada em "camadas" anexas ao corpo físico. Tal como na doutrina budista, o Corpo de Luz é considerado como sendo passível de metempsicose (reencarnação) após a morte do corpo físico. Pode–se considerar que Corpo de Luz evolui em sabedoria, consciência e poder espiritual através de tais ciclos de reencarnação, para quem assim decida proceder, até o ponto em que se encontra a Verdadeira Vontade daquele espírito e a pessoa está capacitado a partir em direção à execução de sua Grande Obra, o objetivo máximo de sua existência, como parte do Todo representado por Nuit.

Para Thelema, toda ação que dirija a pessoa para longe da descoberta e cumprimento desta sua Grande Obra pode ser considerada “magia negra”. Isto inclui atos de interferência e restrição ao exercício de outras pessoas descobrirem sua própria Vontade. A desarmonia e desequilíbrio criados por esse tipo de interferência criam respostas do universo; doutrina similar à concepção oriental de “Karma”.

No entanto, Thelema não postula a existência de bem ou mal absolutos. Portanto, não há nenhum paralelo com os conceitos judaico–cristãos de demônio ou Satã; a coisa mais próxima a isto seria uma ilustração da confusão, distração, ilusão e ignorância, definidas pelo nome “Choronzon”.

Panteão

Em Thelema as divindades tanto podem ser encaradas como deuses e deusas na concepção normal da palavra como arquétipos ou ideias representativas de conceitos determinados. Algumas divindades, conceitos e personalidades aparecem com mais frequência na literatura Thelêmica, constituindo sua teologia:

  • Nuit é a deusa egípcia preenchida de estrelas, cujo corpo forma a abóbada celeste, é a representação do Infinito em nível Macrocósmico. Sendo todo homem e toda mulher uma estrela, Nuit simboliza a união de toda a humanidade em nível espiritual. Costuma ser representada por um círculo.
  • Hadit, o globo solar alado de Hadit é a representação da individualidade, o infinito Microcósmico. Simboliza a Serpente de Luz que deve se elevar para se unir a Nuit e assim alcançar a plenitude, consumando a união dos opostos. É o Sol interior, a fonte de toda a luz e sabedoria. Costuma ser representado como um ponto.
  • Hórus é uma divindade dual, composta por Ra-Hoor-Khuit e Harpócrates. Ra-Hoor-Khuit é o deus de cabeça de Falcão, simbolizando o Ser Humano em sua porção ativa, masculina, material. Harpócrates é a criança nascida no Reino dos Mortos, representado como um menino nu com o dedo indicador direito sobre os lábios, representando o Ser Humano em sua porção silenciosa, passiva, feminina, ou como o “Bebê dentro do ovo”. Juntos eles integram a divindade solar Hórus, que representa o Ser Humano íntegro, divinizado.
  • Aiwass é o ser que ditou o Livro da Lei. Apresentou-se como “ministro de Hoor-paar-kraat”. Mais tarde Crowley o identificou como seu próprio Sagrado Anjo Guardião (SAG).
  • Ankh-af-na-khonsu (“aquele que mora em Khonsu”) foi um sacerdote do deus egípcio Mentu que viveu na cidade de Tebas na 25ª dinastia do Antigo Egito. Crowley assumiu essa identidade mágicka ao receber o Livro da Lei e assumir a condição de Profeta do Novo Aeon. A Estela da Revelação foi criada para comemorar a morte de Ankh-af-na-Khonsu, e em 1904 e.v fez parte do processo de recebimento do Livro da Lei.
  • O Profeta e sua Noiva referem-se à Aleister Crowley e Rose Kelly.
  • Osíris é o deus egípcio dos mortos, que teve seu corpo destruído e espalhado pelo mundo e depois reconstruído por sua esposa Ísis, representa o Ser Humano espiritualmente revivido. Considera-se que o Ser Humano é composto de várias partes (corpo, mente, espírito) que se encontram em estado de separação e desarmonia. Osíris simboliza, tal como em seu mito, a integração e harmonização destes componentes no Ser Humano Completo por força de um amor maior, culminando na sua Ressurreição.
  • Tahuti (Thoth) é o deus do conhecimento, da escrita, da linguagem e da música. É também o deus da Lua, da Magia e da Sabedoria Oculta. Ele é Hermes Trimegisto ou Mercúrio, o mensageiro e mediador dos deuses. Geralmente é representado com a cabeça de Ibis, cujo bico assemelha-se a uma lua crescente, ou como um babuíno, animal noturno com muitas semelhanças com a humanidade.
  • Asar e Isa, sendo Asar Osíris, “o Adorador”, e Isa sendo o nome muçulmano para Jesus, “o Sofredor”. No Livro da Lei, eles são definidos como sendo o mesmo.
  • Baphomet, mais do que uma divindade, é um dos maiores símbolos da Egrégora Thelêmica. Sua imagem é um complexo glifo de simbolismos alquímicos, herméticos, astrológicos etc. Dentro da filosofia Thelêmica, a imagem de Baphomet não possui qualquer correlação com o demônio, Satã ou similares. Ele representa a dinâmica contínua tanto da união quanto da separação, expressa na fórmula “Solve et Coagula. Baphomet une o que está acima com o que está abaixo, como apregoa o postulado hermético, realizando a totalidade das coisas.
  • , o nome deste deus grego significa literalmente “Tudo”. Pã representa a Natureza como um todo no seu aspecto mais primitivo e selvagem, sendo tanto criador quanto destruidor. Extremamente sexual, também representa a consecução do religamento entre o racional e o instinto bestial presente em toda a criação.
  • To Mega Therion (A Grande Besta 666), ou “A Grande Besta Selvagem”, é um símbolo de masculinidade e impulso viril. O número 666, para o Ocultismo, não possui correlações com qualquer ideia de demônio ou mal, sendo na verdade o número do Sol. To Mega Therion é portanto um princípio arquetípico masculino, o Pai da Vida, de natureza solar. O motto To Mega Therion foi assumido por Aleister Crowley quando ele atingiu o grau de Magus na Ordem Astrum Argentum.
  • Babalon representa Yoni, o princípio feminino do Universo. Babalon é a geradora de todas as formas de vida, sendo a Grande Mãe, de cujo ventre todos vieram e para o qual todos retornarão. Também é conhecida como “Mulher Escarlate”, a “Grande Prostituta” e a “Mãe das Abominações”: ela é o Grande Mar e a Mãe Terra. Seu principal símbolo é o cálice, o Santo Graal. Em comunhão com o poder do Grande Feminino, muitas mulheres Thelemitas expressam Babalon através de uma feminilidade enérgica, determinação e capacidade de comandar o mundo a sua volta.
  • Chaos é a força criativa universal cujo poder é irrestrito, a substância primordial da qual toda matéria manifestada é feita. É o Fogo da Força da Vida encontrado em cada um de nós.
  • Choronzon não representa um deus ou uma entidade, mas sim um estado caótico de dispersão arredia e improdutiva que é o vilão de qualquer Magista. É considerado que Choronzon seja o "habitante do Abismo", como consta no Liber 418 — A Visão e a Voz. Tal Abismo refere-se ao período iniciático e espiritual também conhecido como a Noite Negra da Alma, ilustrada como um deserto ao qual os homens devem se lançar e atravessar para poder, enfim, adquirir Entendimento e se tornarem deuses.

Princípios da Dualidade

Trabalhando com a questão da magia sexual, Thelema opera com os chamados princípios da dualidade, normalmente conhecidos como Princípio Solar Masculino e Princípio Lunar Feminino. É importante não reduzir estes princípios aos conceitos orgânicos de macho/fêmea ou, falando de forma mais antropocêntrica, homem/mulher. Ambos os Princípios são encontrados tanto na mulher quanto no homem. Apenas que por questões sociais cada sexo costuma ter um ou outro mais ativo do que sua contra-parte, sendo a ativação do Princípio menos trabalhado e o equilíbrio de ambos um dos trabalhos a ser realizado. Também é necessária a compreensão de que um princípio passivo não é sinônimo de um princípio inativo. De forma resumida, podemos dizer que:

  • Princípio Solar: ativo, fecundador, representado pelo Phallus ou o Lingan.
  • Princípio Lunar: passivo, gerador, representado pela Véssica ou a Yoni.

Dogmas

Uma coisa importante a ser compreendida em relação a Thelema é a ausência de dogmas. Isso significa que em Thelema não há verdades universais ou incontestáveis. Cada Thelemita deve buscar suas respostas e interpretações por si próprio(a), alcançando suas verdades individuais; as quais podem, inclusive, mudarem com o tempo e com as experiências de vida e aprendizado de cada pessoa.

Por isso que se diz que a interpretação do Livro da Lei é proibida. Afirmar qualquer interpretação do Livro Sagrado de Thelema é impedir que a pessoa tenha suas próprias interpretações. De forma análoga, nenhuma pessoa ou organização deve arvorar–se como tendo as fórmulas ou interpretações definitivas, verdadeiras ou exatas de Thelema. A liberdade de interpretação individual sempre traz a correta (para aquela pessoa), por mais diferente que seja de qualquer outra.

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