É difícil tecer-se definições sobre Choronzon, pois a natureza dele é tal que tudo o que possamos falar sobre ele é, em essência, falso.
Ele é o Demônio da Confusão e Dispersão que enfrentamos na travessia do Abismo, onde se encontra Daath e que separa as sete Sephiroth inferiores das três Supernas no esquema da árvore da Vida.
Chama-lo de demônio não significa que ele seja um ser propriamente dito, Choronzon carece de significado ou existência em si mesmo. Choronzon não tem um corpo próprio, sequer uma individualidade. Ele é a ausência total de forma e, ao mesmo tempo, é toda possibilidade de forma, impulsionado pela mente que lhe propicia a manifestação a partir das coisas que se encontram reprimidas em nossa sombra e que, em geral, desconhecemos.
O Conhece-te a ti mesmo é essencial na vitória sobre Choronzon.
Crowley nos diz que Choronzon cria as formas em voz alta: “Zazas, Zazas, Nasatanada Zasas”. Mas ele é muito mais um estado mental do que um ser constituído e individual. Ele provém da dispersão mental do iniciado, esta é a razão pela qual Choronzon não pode persistir por muito tempo em qualquer das formas que adota. Não existe continuidade ou estabilidade em Choronzon, assim como não existe continuidade e estabilidade no estado de ausência de concentração mental ou confusão. Não há existência no Abismo, ou seja, existem formas, mas nenhuma forma é distinta (No-thing = nenhuma coisa: nenhuma coisa distinta da outra).
Ele é habitante de ZAX, o 10º Aethyr do Sistema Enoquiano e diz-se que ele corresponde a Satan. Pela Gematria, o número de Choronzon é 333: Ch = 8, O = 6, R = 200, O = 6, N = 50, Z = 7, O = 6, N = 50.
Choronzon é o demônio que enfrentamos em todos os estados em que a confusão mental nos toma e onde percebemos que o raciocínio analítico não nos é de muita ajuda, pois o surgimento de uma ideia, ou ponto de vista, imediatamente faz surgir o seu oposto e não se chega a conclusão nenhuma, pois tudo carece de real significado. Choronzon é ilusão, Maya e todas as suas consequências levadas a extremo no interior do iniciado.
Muitos consideram que o encontro com este demônio da dispersão só se dá em um lugar pré-determinado e dentro dos limites de um momento específico, buscado através do efeito de algum rito mágico realizado com esta intenção. Porém, sendo a mente uma manifestação natural de todo aquele que vive, o encontro com Choronzon pode se dar a qualquer momento sob o influxo de qualquer fator que afete a nossa psiquê. Tanto o iniciado quanto o não-iniciado têm que, vez por outra, enfrentar e obter a vitória sobre Choronzon. A diferença é que o iniciado sabe o que busca e está ciente, em menor ou maior grau, dos obstáculos que podem se erguer no caminho da sua auto-realização, enquanto o não-iniciado, a mais das vezes, sofre o processo de modo inconsciente.
A árvore é a Árvore da Vida, portanto, todo aquele que vive, está sob a influência dos estados mentais ali delimitados, seja sob o nome Sephiroth, Abismo ou qualquer outro.
A presença de Choronzon se faz sentir, de modo frequente, nas chamadas Noites Negras da Alma e representa o último grito da “carne”, do ego individual, que está prestes a perder o seu significado em favor da Consciência Divina. É uma espécie de “pane mental”, uma processo de passagem de um estado mental ou espiritual a outro. O intelecto humano em feroz luta contra a Consciência do Deus que em nós habita.
Ele sempre surge quando o sofrimento assombra o iniciado. Por vezes o sofrimento se prolonga durante anos até que o iniciado consiga “abdicar” do seu ego e prosseguir em seu caminho ate Binah, “depositando” seu sangue na Taça de Babalon, e seus ossos na Cidade das Pirâmides. É dito que, na Cidade das Pirâmides, o nome do iniciado já não é mais, ou seja, o iniciado se liberta do jugo do ego, da personalidade individual. Ele se torna o mais completo vazio de onde surge a verdade divina, ele se torna um Mestre de Templo e pode, por opção, retornar ao mundo para ajudar a humanidade a se libertar do jugo de Maya.
Isto não significa que o iniciado, literalmente, mate o ego ou que este já não exista mais, jamais devemos esquecer que o ego é essencial ao processo de individuação e de manifestação no mundo de Malkuth.
A morte coroada pela entrada na Gloriosa Cidade em que Babalon é Senhora e Rainha, significa apenas que, uma vez liberto do poder do ego e de seus mecanismos, o iniciado está apto a avaliar o seu eu e personalidade humanos anteriores de forma impessoal. Ele se torna apto a perceber a ilusão provocada por um instrumento — ego — que funciona centrado basicamente na auto-afirmação e auto-defesa, gerando uma série de conflitos desnecessários.
Tendo dominado dentro de si mesmo, até o ponto crítico — Choronzon —, os últimos resquícios do Desejo, da Hostilidade e da Ilusão — forças motrizes do universo manifesto —, o Mestre de Templo contemplou, refletidas como num espelho, as últimas fantasias projetadas de sua vontade física e primitiva — Choronzon. Superou a vontade de viver de acordo com os motivos comuns do desejo e da hostilidade, num ambiente ilusório de causas, fins e meios fenomênicos. Tendo o Mestre de Templo ultrapassado as delírios ou enganos — Choronzon — de seu próprio ego auto-afirmativo, auto-defensivo e voltado para si mesmo, ele conhece dentro e fora o mais pleno entendimento que lhe proporciona paz, tranquilidade e equilíbrio.
Ele observa a imagem do magnífico e mais perfeito vazio que transcende o pensamento. Pensamento no qual se encontram suas próprias experiências do ego em relação à forma, às percepções, à palavra, às concepções e ao próprio conhecimento intelectual.
Ele se eleva, retorna ao seu meio, e habita entre nós como um centro “desprovido de ego” de onde não emana mais o raciocínio intelectual e analítico mas sim o princípio do vazio de onde tudo provém, manifesto em toda a sua simplicidade através da palavra do Mestre de Templo. Em razão disso, é que se diz que é difícil entender a palavra do Mestre de Templo pois ela provém da simplicidade máxima, do vazio primordial de onde absolutamente tudo que conhecemos é emanado, ele manifesta o segredo germinal do Pai, incompreensível ao intelecto humano.
Retornar ao meio em que habitou, após se elevar, é o verdadeiro “ato compassivo” do Mestre de Templo, pois, por meio dele, é revelada a verdade do Pai, e uma profusão de dádivas espirituais fluem deste ser para a libertação de toda a raça humana.
Aleister Crowley relata seu encontro com Choronzon em “A Visão e A Voz” (“The Vision and Voice”), obra referente à visão e a voz dos Anjos dos 30 Aethyrs Enoquianos, que concebeu em 1909 e.v., no norte do deserto africano, ao lado do poeta Victor Neuburg — Frater Omnia Vincam —, um probacionista da A∴A∴ Nas experiências deles com o 10º Aethyr, em 6 de dezembro de 1909 e.v, Choronzon adquiriu muitas formas físicas, inclusive a de uma cortesã parisiense que Neuburg — o Escriba — tinha amado, no intuito de seduzi-lo e fazê-lo sair do círculo de proteção, para “obter para si a forma distinta de Neuburg”. Algumas vezes Choronzon falou com a voz do próprio Crowley — o Vidente. Quando o Vidente com o seu Anel Sagrado escreveu na areia do deserto o nome de BABALON, que é a vitória sobre Choronzon, este não mais se manifestou.
Babalon — Binah — é dita ser a vitória sobre Choronzon, no sentido de dizer que o Adepto venceu, ao cruzar o Abismo, Daath, a Sephira do Conhecimento. Este conhecimento de Daath é o conhecimento desprovido do real Entendimento que é fornecido mais acima por Binah. Daath representa o conhecimento intelectual que o iniciado coletou em todas as suas experiências passadas, originadas do seu intercurso com a vida, o mundo, Malkuth. É a tendência que todo ser humano apresenta em interpretar todos os fenômenos sob a perspectiva do conhecimento adquirido em suas experiências pessoais. Como Daath se encontra no Abismo, trecho de passagem do humano para o divino, o conhecimento adquirido das experiências humanas do iniciado não o auxiliam a compreender o divino acima, do qual, ele já começa a sofrer influência. Quanto mais o iniciado se apega a suas próprias experiências passadas, tentando interpretar o novo, o divino, através delas, mais a mente do mesmo se torna confusa e mais ele se debate na angústia daquilo que seu intelecto não consegue compreender. Este estado de confusão mental, angústia e total desespero diante do incognoscível é o que se conhece como experiência de Choronzon. E, a menos que o iniciado se dispa da sua antiga roupagem, tornando-se um bebê nu e puro, engendrado num ovo, vencendo seu medo do incógnito amanhã e do desconhecido porvir, ele jamais conseguirá alcançar o portal do Divino.
Uma vez tendo vencido Choronzon, o iniciado supera a ilusão fenomênica provocada pelo intelecto, uma das ferramentas do Ego, e alcança Babalon, o Entendimento — Binah. Babalon é a virgem à qual o adepto se une após ter vencido o demônio da confusão e dispersão. É a pérola sagrada que deve ser resgatada da boca do Dragão que habita o Abismo, Choronzon. Na Qabalah, Binah é a sephirah que logo segue a Daath, na escala ascendente. Chockmah, que se segue a Binah, é a Sabedoria. Da união do Entendimento com a Sabedoria, o Filho é gerado. Binah é o entendimento necessário para apreender a essência da Verdadeira Vontade, cuja semente reside em Chokmah. Binah e Chokmah são complementares, não existe oposição real ali. Binah é Babalon, Chokmah é Chaos, por isso é dito que Babalon é a noiva do Chaos.
Assim, Binah nos proporciona o entendimento necessário para organizar o “caos” que hoje é, para nós, a visualização daquilo que é a nossa Verdadeira Vontade. Binah e Chokmah são dois eternos amantes, um não subsiste sem o outro, nem o universo sobreviveria se os dois não estivessem em eterno conluio amoroso! Na verdade, Binah e Chokmah, conjugados, são a vitória sobre Choronzon, mas Crolwey citou somente Babalon como sendo esta vitória porque a chegada do adepto à Cidade das Pirâmides realmente é o primeiro sinal de sucesso sobre o abismo, o adquirir do entendimento necessário para encetar a ainda longínqua jornada até o núcleo de Chaos.
Em razão desta eterna cumplicidade entre Binah e Chockmah, se diz sobre Babalon que ela é aquela dama que está sempre em conluio sexual com absolutamente tudo o que existe no universo manifesto — a Prostituta Sagrada —, pois é a partir da determinação inclusa em Chaos que todo o universo é gerado. É claro que a semente que se encontra em Chaos foi ali semeada pelo que está mais acima, Kether, He-ru-Ha-Ha.
O caos de Choronzon não tem nada a ver com o Chaos atribuído a Chokmah. Em Choronzon o caos significa confusão e ilusão, em Chokmah, o Chaos significa germinação, mais referente ao Chaos que antecede a Criação. A manifestação e influência de Choronzon está no abismo e abaixo do abismo, não pertence à Tríade Superna. A Tríade Superna e aquilo que se encontra abaixo dela são universos com parâmetros e bases completamente diferentes.
Sob a influência de Choronzon está o homem que não tem a mínima idéia do que vai fazer da sua vida, que não sabe que caminho escolher e, devido a isso, se debate na angustiosa impossibilidade da realização concreta, da criação, da alteração do meio de acordo com a Verdadeira Vontade que desconhece. Em Chokmah está o Mago, aquele que adquiriu o supremo conhecimento e entendimento de si mesmo. Aquele que domina todos os seus próprios planos de projeção na existência e sabe exatamente o que quer, o que fazer e como fazer para produzir os resultados que almeja. O Mago é um deus, Horus manifestado na matéria, pronto para liderar as suas próprias hostes contra o antigo em favor do nascimento do novo, a Criança Coroada e Vingadora que irá, com seu próprio sangue — vida — fertilizar e renovar o mundo.
Todos os seres humanos, no sentido da consciência humana comum e adormecida, em maior ou menor grau, vivem sob o reino desequilibrado de Choronzon, o rei da confusão e da dispersão. E é isso o que, por agora, se pode dizer a respeito de Choronzon, da travessia e do estado espiritual posterior. Ainda assim, tudo isto está muito permeado por conhecimento intelectual. Somente se pode falar plenamente sobre Choronzon quando a experiência de seu enfrentamento e a posterior vitória sobre ele nos for oferecida em sua máxima amplitude.
Até que o momento da suprema e definitiva batalha se manifeste, apenas fagulhas de entendimento nos são possíveis. Porém, é destas fagulhas de entendimento que a vida nos oferece que a possibilidade de vitória se desenha e, aos poucos, vai se manifestando para cada um de nós. Devemos sempre lembrar que a vida é a verdadeira iniciação, da qual, todas as outras são como pálidos reflexos no espelho da existência que intensificam a nossa vontade de superar a incerteza humana em favor da certeza divina que habita em todos nós. É sábio viver a vida intensamente, um dia após o outro, um pequeno passo após o outro; partir sempre da pequena parte para o todo e tudo isto sem ânsia de resultados, e tudo isto sempre em nome da Nossa Sagrada Senhora da Iniciação, Babalon, a Senhora da Vida e da Morte que nos abre o Portal da Verdadeira Existência.
Autoras: Sorores Agarath & O. Naob